Curiosity revela detalhes sobre lago em Marte há 3 bilhões de anos
Três bilhões de anos atrás um lago congelado existia onde hoje é a cratera Gale, em Marte. A conclusão é resultado de diversos estudos baseados em dados enviados pelo rover Curiosity, da Nasa, que está naquela região (cuja largura é de 150 quilômetros) do Planeta Vermelho desde 2012.
Segundo um artigo publicado no início de 2020 na Nature, os cientistas resolveram investigar a área por conta da abundância de sedimentos presentes ali: há sinais de água, minerais de água e até traços de moléculas orgânicas (essenciais para existência da vida como a conhecemos).
Como explicam os cientistas, para formar tanto sedimento, uma quantidade enorme de água teria fluído por essa região há milhares de anos. Além disso, algumas características geológicas da cratera sugerem que esses detritos se formaram em um lago coberto de gelo.
“Em algum momento, o ambiente da superfície de Marte deve ter passado por uma transição de quente e úmido para frio e seco, como é agora, mas exatamente quando e como isso ocorreu ainda é um mistério”, disse Heather Franz, geoquímica que participou da pesquisa, em comunicado. Essas substâncias teriam se formado durante um estágio frio da vida de Marte que existiu em meio a períodos mais quentes, ou depois que o planeta perdeu a maior parte de sua atmosfera e começou a esfriar.
Método
O Curiosity conta com um laboratório químico chamado Análise de Amostras em Marte (SAM, na sigla em inglês). Foi a partir da análise de 13 amostras de poeira e rocha marciana coletadas nos últimos cinco anos que os especialistas puderam deduzir a existência desse lago quente.
As amostras foram aquecidas a quase 900 ºC para liberarem seus gases internos e serem estudadas. Observando as temperaturas emitidas pelos sedimentos, os cientistas podem deduzir de quais minerais eles são provenientees — e esse tipo de informação ajuda a entender como o carbono está circulando em Marte.
De acordo com a equipe, os estudos sugerem que a atmosfera antiga de Marte, contendo principalmente CO2, pode ter sido mais espessa que a da Terra hoje. Embora a maior parte da substância tenha sido perdida quando o Planeta Vermelho perdeu sua atmosfera, parte dela ficou armazenada em rochas — principalmente na forma de carbonatos, que são minerais feitos de carbono e oxigênio.
Na Terra, os carbonatos são produzidos quando o CO2 do ar é absorvido nos oceanos e em outros corpos de água e depois é mineralizado em rochas. Dessa forma, os cientistas acreditam que o mesmo processo aconteceu em Marte e que isso poderia ajudar a explicar o que aconteceu com a atmosfera marciana.
No entanto, os poucos carbonatos que o SAM detectou revelam algo interessante sobre o clima de Marte a partir dos isótopos de carbono e oxigênio armazenados neles: os átomos de oxigênio nos sedimentos eram mais leves que os da atmosfera marciana. Isso sugere que os carbonatos ali presentes não se formaram a partir do CO2 atmosférico absorvido por algum lago. Segundo os cientistas, se isso tivesse acontecido, os isótopos de oxigênio teriam que ser mais pesados que os do ar.
Levando tudo isso em consideração, os cientistas sugerem que os carbonatos analisados se formaram provavelmente em um lago congelante, pois, dessa forma, o gelo teria “sugado” isótopos pesados de oxigênio. Ainda assim, a baixa abundância de carbonatos em Marte intriga os astrônomos.
Eles supõem que se não houver muitos desses minerais na cratera Gale, talvez a atmosfera inicial do planeta tenha sido mais fina do que o previsto — ou talvez uma outra coisa esteja armazenando o carbono que falta. Com base em suas análises, a equipe supõe que a substância tenha sido absorvida por outros minerais, como oxalatos, que armazenam carbono e oxigênio em uma estrutura diferente da dos carbonatos.
A hipótese é baseada nas temperaturas em que o CO2 foi liberado de algumas amostras dentro do SAM: muito baixa para carbonatos, mas adequado para oxalatos. Além disso, as diferentes proporções de isótopos de carbono e oxigênio que os cientistas observaram em outros exemplares de carbonatos corroboram a ideia.
Os oxalatos são o tipo mais comum de mineral orgânico produzido pelas plantas na Terra — e é justamente isso que tanto interessa os especialistas. Entretanto, essas moléculas também podem ser produzidas sem vida, por um processo conhecido como fotossíntese abiótica.
Estudar o carbono também é importante porque ele é um elemento simples, porém versátil, que é tão crítico quanto a água na formação da vida como a conhecemos, já que está nas moléculas orgânicas conhecidas como “blocos construtores de vida”. Na Terra, por exemplo, a substância flui continuamente pelo ar, pela água e pela superfície em um ciclo do qual os seres vivos são protagonistas.
Nos últimos anos os cientistas têm obtido cada vez mais pistas de que o ciclo de carbono em Marte é muito diferente do da Terra. “No entanto, [o ciclo] ainda está acontecendo e ainda é importante porque não apenas ajuda a revelar informações sobre o clima antigo de Marte, mas também está nos mostrando que é um planeta dinâmico no qual os elementos conhecidos como ‘blocos de construção da vida’ circulam”, disse Paul Mahaffy, líder da pesquisa.